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Testemunhas de Jeová e a decisão do STF


por Eudes Quintino de Oliveira Júnior




Resumo:

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou dois casos relacionados ao tratamento médico de Testemunhas de Jeová, que rejeitam transfusões de sangue por razões religiosas. Em um dos casos, uma paciente recusou-se a autorizar uma transfusão durante cirurgia, alegando que isso violava sua dignidade.


A decisão do STF foi unânime: seguidores dessa religião, sendo adultos capazes, podem recusar transfusões, e o Estado deve cobrir os custos de tratamentos alternativos. A decisão aborda direitos fundamentais, como a liberdade de crença e a autonomia do paciente, mesmo que isso signifique aceitar tratamentos menos eficazes do que o protocolo médico padrão.


Texto original:

O STF, seguindo a pauta programada, analisou de um só vez dois processos de repercussão geral envolvendo tratamento médico de pessoas que professam a religião testemunhas de Jeová, que, como é sabido, não permite o recebimento de sangue proveniente de outra pessoa. Um deles, por meio do RE 1212.272, trata-se de um caso em que a paciente, por motivo religioso, apesar de ter assinado o termo de consentimento Informado, negou-se a assinar o termo referente à autorização prévia de eventual transfusão sanguínea de substituição de válvula aórtica, em cirurgia realizada em rede pública de saúde. Justificou em seu pleito judicial que se trata de uma ofensa à sua dignidade e ao acesso à saúde, contestando a nítida interferência estatal.


Há muito tempo a justiça, principalmente a de 1º grau, profere decisões conflitantes a respeito do tema, ora prestigiando e reforçando a recusa, ora determinando, coercitivamente, a realização do procedimento.


A decisão unânime da Corte Maior foi no sentido de que os seguidores da religião Testemunhas de Jeová, maiores e capazes, por convicção religiosa, podem recusar tratamentos médicos que utilizem a transfusão de sangue e o poder público, consequentemente, deve arcar com as despesas dos tratamentos alternativos disponíveis no SUS.


Assim, pelo menos no tocante ao cerne da decisão - que tangencia direitos fundamentais previstos na CF/88, dentre eles, com relevo, a liberdade de consciência e de crença, a dignidade humana e a proteção à saúde. No campo da ciência Bioética, por sua vez, criou-se uma colidência entre os princípios da autonomia da vontade do paciente e o da beneficência, sendo que o primeiro deles recebeu o placet dos ministros.


O princípio da autonomia da vontade do paciente, viga mestra do código de ética médica1, outorga ao seu titular o direito de se manifestar a respeito de eventual tratamento proposto pelo médico, demonstrando, de forma inequívoca, que sua vontade é de vital importância para se chegar à uniformidade de uma decisão. Na realidade, no estado atual, pelo recorte feito no referido código deontológico, a relação médico-paciente deve retratar uma verdadeira sintonia, na medida em que ambos dividem responsabilidades paritárias a respeito do conteúdo terapêutico. De qualquer forma, numa explicação mais singela, o paciente, como sujeito de autonomia, é detentor da legitimidade de confabular com o profissional de saúde, selecionar, dentre as opções apresentadas, a que julgar a mais conveniente


Tem-se que, por outro lado, e o que vinha prevalecendo até então, a vida humana representa um bem indisponível, com tutela integral da CF/88 que a erigiu como o bem maior do homem, distinguindo-a com a proteção de todos os direitos fundamentais que a revestem. Assim, nesta linha de pensamento, há ativa participação estatal na preservação da vida, não prevalecendo, no caso, eventual recusa impeditiva do paciente na transfusão de sangue, conforme decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo: "Em que pesem as referidas convicções religiosas da apelante que, não obstante lhe são asseguradas constitucionalmente, a verdade é que a vida deve prevalecer acima de qualquer liberdade de crença religiosa".2


O princípio da beneficência, por sua vez, integra o atendimento médico e é erigido como um dos sustentáculos da boa prática da ars curandi.  Daí que o médico deve ofertar ao paciente os cuidados que sejam condizentes com suas necessidades, adotar a melhor estratégia terapêutica e se empenhar em conferir a ele os mais variados tratamentos com as melhores e mais recomendáveis tecnologias, eliminando ou reduzindo eventual risco no momento presente e futuro, distanciando-se cada vez mais de danos que possam ser identificados. Enfim, é envidar todos os esforços, para beneficiar o paciente com a qualidade do atendimento e tratamento proposto, com a mínima probabilidade de dano e, principalmente, sem a redução dos benefícios.


Com a quebra do princípio da beneficência e a prevalência da autonomia da vontade, deixa de ser aplicado o procedimento previsto no protocolo médico, que ofertava total segurança ao paciente, sendo substituído por tratamento alternativo, que pode não produzir resultados tão satisfatórios.

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